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O garçom Euclides, 47, e a diarista Nair Dias, 44, têm em comum, além de serem casados e morarem em São Mateus (na zona leste da cidade), a rotina de perder mais de quatro horas por dia dentro do transporte coletivo (quase sempre superlotado), de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Pegar transporte é mais cansativo que meu serviço, afirma Nair.

Mas quando a discussão é escolher entre pagar mais pela passagem em troca de um transporte mais confortável, que permitisse chegar mais rápido, as opiniões se dividem. Nair diz que até faria um sacrifício de pagar um pouco a mais. Euclides, não. É melhor deixar como está. Não se pode aumentar os custos. O salário que a gente ganha não dá.

 

O histórico de investimentos do prefeito Gilberto Kassab (DEM) indica que ele decidiu privilegiar a visão do garçom – e que vai prosseguir com a opção ao menos até 2009, quando promete manter a tarifa de ônibus congelada em R$ 2,30. Para tanto, a prefeitura vai desembolsar, na soma deste e do próximo ano, mais de R$ 1,2 bilhão com subsídios à passagem de ônibus-valor que pode ser ultrapassado.

 

É dinheiro suficiente, por exemplo, para construir um VLT (trem leve) do metrô São Judas até a linha 9-Esmeralda da CPTM, passando pelo aeroporto de Congonhas, conforme projeto do governo do Estado. Mantido esse ritmo, nos quatro anos do mandato de Kassab, daria para construir uma linha inteira de metrô semelhante à extensão da 2 – verde (ramal Paulista), que tem 10,7 km.

 

Na proposta de orçamento do ano que vem, os R$ 600 milhões em subsídios sugeridos pelo prefeito representam mais do que a soma dos principais investimentos de Kassab no sistema de transporte, como os repasses para obras do metrô (R$ 250 milhões), a continuação do Expresso Tiradentes (R$ 146 milhões) e a implantação de corredores e terminais de ônibus (R$ 124 milhões).

 

RECORDE

O montante que a gestão Kassab gastará com subvenções ao transporte em 2008 é recorde na década. Já descontada a inflação, fica 75% acima do que Marta Suplicy (PT) repassou em seu último ano de mandato, em 2004, e 130% superior ao que José Serra (PSDB) desembolsou em seu primeiro ano na prefeitura.

 

Com essa opção, Kassab está prestes a entrar para a história como quem manteve a mesma passagem por mais tempo, pelo menos nas últimas três décadas. O recorde anterior, de dois anos e quatro meses (entre as gestões Celso Pitta e Marta Suplicy), deve ser batido em abril.

 

A disparada dos subsídios dados pela prefeitura ocorreu a partir de julho de 2007 (quando pulou do patamar mensal de R$ 27 milhões para R$ 37 milhões) e atingiu seu pico um ano depois, às vésperas das eleições, quando chegou a R$ 86 milhões em um só mês.

 

Parte do salto está ligada ao fato de a tarifa seguir congelada desde novembro de 2006, enquanto empresas de ônibus e perueiros já tiveram de lá para cá dois reajustes contratuais na sua remuneração, que independe do preço da passagem.

 

ATRASO NAS OBRAS

Por outro lado, a prefeitura tem sido alvo de críticas devido à falta de investimentos de infra-estrutura para os ônibus. O prefeito não construiu nenhuma pista exclusiva completa e atrasou as que prometia, como a conclusão do Expresso Tiradentes (ex-Fura-fila).

 

Também atrasou dez obras, principalmente para ajustar paradas em corredores ? sobretudo as do cruzamento entre avenidas Rebouças e Faria Lima (zona oeste). Elas foram anunciadas durante a campanha eleitoral para começar neste mês, mas só deverão ser iniciadas no ano que vem.

 

GRATUIDADES E DESCONTOS

Além de controlar a tarifa, as subvenções são usadas para manter descontos a estudantes e gratuidades a idosos. A idéia de injetar recursos públicos para cobrar uma passagem mais baixa é defendida por boa parte dos profissionais ligados ao setor de transportes.

 

Muitos, porém, fazem ressalvas. Uma delas: quanto mais aumentam os subsídios, menos tende a cobrar recursos para melhorar a infra-estrutura. Outros afirmam que a elevação sucessiva dos repasses deveria vir atrelada a pelo menos dois outros fatores: metas de eficiência e conforto do serviço prestado pelas viações e estudos para reduzir os custos operacionais do sistema.

 

Pela política de descontos e gratuidades, alguns pobres podem subsidiar alguns ricos: trabalhadores da economia informal, que não têm direito a vale-transporte, pagam passagem integral e ajudam a bancar os 50% de desconto para um estudante de classe média ou alta.

 

CLASSE E

O economista Alexandre Gomide, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que uma parte desse montante poderia ser usada para custear a tarifa de pessoas de classe E, que não podem pagar nem a tarifa atual, já subsidiada. ?Há pessoas que deixam de sair para procurar emprego porque não têm dinheiro para pagar a passagem, mesmo ela sendo subsidiada. Deveriam ter um benefício extra?, afirma.

 

A cobrança por subsídios também é uma reivindicação histórica das viações de ônibus (com quem Kassab tem proximidade), até porque, diferentemente da alta da tarifa, eles não afastam os usuários da rede. ?No meu tempo, para cada subsídio já queriam me pôr na guilhotina, dizendo que era para favorecer empresário?, conta Adhemar Gianini, que foi titular dos transportes na gestão Luiza Erundina (89-92).

 

Texto de Alencar Izidoro e Ricardo Sangiovanni, publicado na Folha de S.Paulo, edição de 16 de novembro de 2008.

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