2014: Ano decisivo para o transporte público por ônibus

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As questões que envolvem o transporte coletivo não se resumem apenas ao reajuste tarifário. A atuação das operadoras do sistema de ônibus urbanos no Brasil transcende a linha do lucro  e se prolonga pela busca de soluções para o grave  problema de mobilidade urbana do país.

 

A avaliação do ano de 2013 para  o setor  revela que não é mais possível enfrentar o ciclo  vicioso do transporte coletivo urbano com medidas paliativas e que a priorização desse serviço nas vias urbanas  das cidades; a criação de fontes de custeios para  gratuidades; e as subvenções ou subsídios por  parte do governo federal são medidas importantes para reversão desse quadro.

 

É possível  constatar essa análise na entrevista de Otávio Cunha, presidente executivo da Associação Nacional  das Empresas  de Transportes Urbanos (NTU), para a Revista NTU Urbano.  Cunha também avalia  que no ano de 2014 o transporte coletivo deve permanecer em pauta  proporcionando ao setor novos avanços.

 

Quais foram os principais desafios para o setor em 2013?

 

Houve  considerável enfoque na discussão do modelo de financiamento. Ao longo do ano, nosso setor procurou informar a todos os setores da sociedade sobre  a urgência de rever  a estrutura atual  de alocação  de recursos financeiros para o transporte público urbano. Não é possível  aceitar que as camadas sociais mais desfavorecidas paguem sozinhas  pelos  custos dos  transportes públicos. Outro desafio foi a conscientização da adoção de medidas  emergenciais de priorização do transporte público urbano. Existe o crescente consenso de que a crise da mobilidade só será solucionada se o ônibus passar  a operar com espaço  dedicado no sistema viário, para que a velocidade e a confiabilidade do transporte público sejam maiores e assim alcancemos a tão almejada melhoria da qualidade dos serviços. Muitos  esforços foram realizados no sentido de reduzir impostos e taxas que impactam nas tarifas praticadas. Tivemos sucesso no que se refere  a desoneração da folha de pagamento e da contribuição do PIS/COFINS, mas existe ainda muito potencial para  reduzir a carga  tributária, com o projeto de lei do REITUP. Finalmente, é preciso destacar o desafio de divulgar e implantar a Lei 12.587/2012 que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

 

Com a aproximação da realização da Copa do Mundo e com o aumento de investimentos em mobilidade urbana, podemos afirmar que foi um ano de grandes realizações?

 

Definitivamente 2013 foi um ano de avanços históricos. Depois de 20 anos sem investimentos significativos, os recursos federais do PAC Grandes e Médias  cidades foram empregados na implantação de projetos  estruturantes. Esses recursos estão  transformando a realidade das principais cidades brasileiras, pois gradualmente os novos sistemas de transportes entram em operação e, consequentemente, contribuem para redução dos tempos e dos custos de viagem. Por exemplo, o caso do BRT TransOeste da cidade do Rio de Janeiro é muito emblemático,  pois contribuiu para a redução em média de 45 minutos no tempo de viagem e assim alterou completamente a vida de milhares de cariocas, que usam e confiam no BRT TransOeste como principal modo de transporte. Como consequência dos investimentos iniciados em 2013, veremos uma série de cidades usufruindo de melhorias no transporte público nos próximos meses. Durante a Copa  do Mundo, algumas das cidades-sede poderão contar com esses novos sistemas de transporte.

 

 

Na sua avaliação, a lei da Política de Mobilidade Urbana está sendo contemplada, do ponto de vista da execução dos projetos anunciados?

 

Sim, os projetos em execução contribuem para a efetivação da lei, porque essas intervenções estão em alinhamento com os princípios, diretrizes e objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Em particular, possibilitam maior eficiência, eficácia e efetividade na prestação  dos  serviços de transporte urbano e usam o transporte público coletivo como instrumento de estruturação do território e indução do desenvolvimento urbano integrado. À medida em que esses projetos são continuamente executados, como parte da criação de redes de transportes, a lei será efetivada por todo o território nacional.

 

Nessa linha, é possível apostar que o Brasil vai dar um bom exemplo de mobilidade urbana durante os jogos da Copa do Mundo?

 

Acima de tudo, mostraremos como realizar 40  milhões de viagens por dia utilizando o ônibus urbano e que temos empresas operadoras extremamente eficientes e capazes de oferecer os serviços apenas a partir das receitas tarifárias. Os turistas verão que possuímos uma extensa malha de serviços de transporte público, que vai muito além do atendimento a demanda pontual direcionada aos estádios, aeroportos e hotéis. Obviamente, eles poderão observar também que existe muito potencial para a melhoria do sistema como um todo. Nesse ponto, será interessante se pudermos transmitir a informação de que a nossa realidade de financiamento, de tributos e de organização institucional está em processo de transformação gradual. Especificamente,  precisamos deixar bem claro que não há subsídios para os usuários dos ônibus e que a carga tributária incidente é da ordem de 30% dos custos. Certamente, um turista de um país desenvolvido ficará  surpreso ao saber dessas informações e provavelmente questionará como ainda é possível transportar tanta gente dentro dessas limitações consideráveis.

 

A NTU acaba de lançar uma campanha de qualificação das redes convencioanis de transportes com um programa emergencial. As expectativas são boas para a concretização desses projetos? Por quê?

 

Nossas  iniciativas têm  o caráter propositivo. O setor  empresarial entende que precisamos levar propostas ao poder público, para  que boas  ideias  sejam  viabilizadas por meio  de parcerias e que tornem-se realidade o mais rápido possível. Entendemos que a implantação das faixas exclusivas nas principais cidades brasileiras tem potencial para reverter imediatamente o processo de deterioração das condições de deslocamento. Essa deterioração é resultado de anos de abandono do transporte público pelas autoridades e do maciço incentivo ao transporte particular. Tratamos essa campanha como emergencial dada à urgência de resultados e aos interesses públicos, privados e da sociedade. A proposta possibilita a obtenção de resultados em curtíssimo prazo, a um custo que não difere muito do custo de manutenção da via. Esses fatores contribuem para que tenhamos uma grande expectativa no sucesso  do programa e da campanha.

 

É possível fazer a leitura que o governo está sensível às propostas e demandas do setor porque alguns projetos da NTU começaram a sair do papel?

 

Ainda é prematuro fazer essa afir-mação. Existem boas intenções, mas muito pouco foi concretizado. Observamos ações, muitas vezes isoladas, de alguns prefeitos que veem  o potencial que as faixas exclusivas têm para melhorar a vida da população e a economia regional. O exemplo do prefeito Haddad, de São Paulo, é uma demonstração de que o entendimento da magnitude do problema e a vontade política de enfrentar a situação podem gerar  transformações  muito rapidamente e que a população valoriza a capacidade de ação do governante. Espera-se  que essas ações isoladas  tornem-se referência nacional para replicação em todas as cidades brasileiras.

 

Ainda existem muitas queixas do cidadão quanto às frotas de ônibus. O que o setor tem a dizer sobre isso? Há previsões de mudança desse quadro?

 

No cenário atual pouca diferença faz colocarmos dez ou até mesmo cem ônibus no horário de pico, pois o que teremos é um maior número de ônibus presos  no congestionamento. A quantidade de carros particulares na via é tão grande que o ônibus tem dificuldade até mesmo de sair do ponto de ônibus quando se tem a baia para embarque. A priorização do transpor te público nesse momento tem um papel  muito mais educativo do que funcional. Com a implantação efetiva de redes de transportes poderemos garantir que o ônibus trafegue sem interrupções por longos trajetos e as melhorias que atualmente são obser vadas no tempo de viagem poderão refletir no custo, na frequência e na confiabilidade do serviço. Podemos afirmar que a frota existente é mais do que suficiente para transportar a população na maior  parte dos municípios, visto que a quantidade de passageiros transportados por  veículo apresenta o menor valor desde 1995. Com uma rede  de transporte que priorize o ônibus esses veículos poderão chegar aos locais de maior demanda e atender com  conforto e segurança os passageiros.

 

A cobrança por redução de tarifas, estopim de grandes manifestações de rua que surpreenderam as autoridades e a imprensa, preocupa o setor? Qual é a proposta da NTU para esse caso específico?

 

As manifestações pacíficas são legítimas. O empresário, assim como o trabalhador que diariamente pega o ônibus para ir ao trabalho, é prejudicado com o ônibus parado no congestionamento. No entanto, o que mudou foi que algo que fazíamos sozinhos, que era lutar pelo espaço de transporte público e por um modelo de remuneração e tarifas justas, hoje tomou uma proporção nacional. Nosso  esforço vai além de mostrar os benefícios da priorização no que se refere  à mobilidade. Trabalhamos mostrando os efeitos da tributação do setor  nos custos, do impacto que as gratuidades sem um fundo específico causam à tarifa e estamos empenhados para tornar a lei nº 12.587/12 (Lei de Mobili- dade Urbana) uma realidade.

 

Com relação a tarifa, gratuidade é utopia, como já admitiu a presidenta da República em discruso sobre o tema? Mesmo assim, é possível reduzi-la? Quanto? E quando?

 

A gratuidade no transporte público, antes de tudo, é uma decisão política.  Assim  como a gratuidade na saúde, na educação ou na segurança. No entanto, esses setores cada vez mais nos mostram que essa pode não ser a melhor escolha. No Brasil, o modelo atual de concessão do  serviço de transporte garante uma operação otimizada, com ado- ção de técnicas e tecnologias con- sagradas e visando a modicidade tarifária. Trabalhamos com  foco no passageiro, mas temos como limi- tação  a remuneração, que é majo- ritariamente a tarifa.  Essa limitação pode  ser resolvida sem refletir na tarifa? Pode. O caminho para isso é adotar o que outros países já fazem: a subvenção.

 

A Lei de Mobilidade Urbana  fornece o instrumento para isso, que é a desvinculação entre a tarifa pública e a tarifa de remuneração do serviço. A tarifa de remuneração do serviço é quanto a empresa irá receber, e é resultado dos gastos com o serviço. Assim como um médico, um policial ou um professor recebe pelo  traba- lho  prestado o empresário presta um serviço e precisa ser remunerado.  Já a tarifa pública é quanto o usuário paga pelo serviço.Consideramos viável  uma subvenção de 50%. Dessa forma, nem o usuário  e nem o governo arca com a totalidade da tarifa. Esse valor  é compatível com a média dos valores adotados em diversas cidades do mundo e visa a utilização do serviço de forma racional. Com isso, a tarifa para o usuário poderia ser metade da atualmente praticada.

 

Ainda no cenário das grandes manifestações de rua por redução de tarifas, o setor fecha o ano com que proposições para 2014?

 

Além  de tudo que temos defendido nos últimos 20 anos, podemos evoluir na questão da transparência de custos e tarifas. Existe o entendimento de que  a sociedade está interessada em saber  os mínimos detalhes sobre os custos relativos a operação dos serviços de transporte públicos. Legalmente, cabe  ao poder público estimar, controlar e fiscalizar os custos, mas o setor  empresarial está disposto a contribuir para que não existam dúvidas sobre esse assunto.  Muito provavelmente, essa iniciativa de transparência mostrará, mais uma vez, a dimensão do  desafio que  é operar serviços sem qualquer tipo de subsídio e com o crescente aumento dos insumos. Assim, poderemos ampliar a discussão sobre tarifa pública versus tarifa de remuneração.

 

Que lição fica do ano de 2013 para o setor?

 

Não se deve enfrentar o ciclo vicioso da mobilidade urbana com medidas paliativas. Existem problemas estruturais  que devem ser entendidos e tratados com o devido empenho, in- vestimento e seriedade que a mobilidade urbana merece. Caso isso não ocorra, perpetuaremos a situação de manifestações, protestos e insatisfações de todos os lados. Dessa forma, torna-se cada  vez mais importante e urgente atuar  no sentido de efetivar a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana,  a implantação dos projetos existentes de BRT e expansão das faixas exclusivas.

 

Quais são as ações que o segmento deve realizar para obter conquistas no ano de 2014?

 

Devemos prosseguir com a qualificação do setor e precisamos manter o diálogo amplo com  todos os segmentos sociais e políticos. A implantação das faixas exclusivas de ônibus é o ponto de partida, mas também se deve melhorar o nível de informação para  o usuário  e revitalizar pontos de parada.  Assim que esse plano for colocado em prática, na maior  parte das cidades, vamos  conseguir recuperar a demanda de passageiros perdida nos últimos anos. Gradual- mente,  o usuário  do carro vai optar pelo  transporte público, assim que as melhorias começarem a aparecer. Por isso, é necessário insistirmos com cada líder local, empresarial, para incentivar o prefeito a fazer as faixas exclusivas para  ônibus.  Não precisamos colocar na cidade toda. É selecionar os corredores onde existem problemas e fazer as faixas.

 

Acredito que um envolvimento maior com os demais segmentos sociais possa melhorar a qualidade das discussões.  Durante anos houve pouco ou nenhum interesse sobre as questões que envolvem a prioridade do  transporte público ou sobre  a mobilidade urbana.  Esse assunto  era exclusivo do ambiente acadêmico ou empresarial. Com isso aprendemos a lidar  com  o assunto de forma quase que solitária. Espero que essa questão não morra na praia e aqueles que se envolveram em 2013 continuem demonstrando interesse no assunto e amadureçam as opiniões. Somente assim poderemos alcançar melhorias não apenas  no transporte, mas no uso do espaço público.

 

Otávio Vieira da Cunha Filho é bacharel em Administração e Ciências  Contábeis, membro do  Conselho Diretor da Asso- ciação  Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e presidente da Seção  1  – Passageiros, da Confederação Nacional do Transporte (CNT). É presidente executivo da NTU.

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