Caos viário chega às capitais do Nordeste

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Depois de quase uma década morando na Pituba, bairro da orla de Salvador, a professora Ilse Pinto mudou-se recentemente para a Saúde, na região central da capital baiana, bem perto do mundialmente famoso Pelourinho. Apesar do apreço pelo centro histórico, a mudança de endereço foi motivada pela proximidade com o trabalho. Doutora em engenharia de transportes, a professora sucumbiu ironicamente ao caótico trânsito de Salvador. Ao lado de Fortaleza e Recife, a cidade mostra uma face ainda pouco conhecida do Nordeste, região onde a economia cresce acima da média nacional.

Sedes da Copa do Mundo de futebol de 2014, as três principais capitais da região vivem hoje um sério problema de mobilidade, resultado do crescimento exponencial de suas frotas nos últimos anos, associado ao baixo investimento em infraestrutura viária e em transporte coletivo. Cada vez maiores e mais frequentes, os congestionamentos já não ocorrem apenas nos chamados horários de pico, situação que levou as prefeituras locais a se debruçarem sobre o tema, que já começou a ser explorado politicamente.

Nos três casos, a instalação de corredores exclusivos de ônibus nas principais avenidas, combinada com a abertura de mais vias, é a opção preferida para desafogar o trânsito. Todos os projetos, no entanto, ainda não saíram do papel.

À frente dos planos de mobilidade da Prefeitura do Recife, o urbanista Milton Botler é um defensor declarado da restrição ao uso do automóvel particular em benefício do transporte de massas. Segundo ele, o projeto pensado para a capital pernambucana dá prioridade à construção dos corredores, de preferência os chamados BRTs (Bus Rapid Transit), sistema de circulação rápida de ônibus por faixas exclusivas. Abertura de vias para carros só quando for indispensável: “Não faz sentido abrir espaço para colocar carro em vez de corredor exclusivo. É preciso enfrentar os interesses”, avalia.

Além do excesso de carros, as características geográficas da cidade surgem como atenuante para os congestionamentos. Cortada por seis rios, a capital pernambucana é famosa pela quantidade de pontes, que acabam gerando um estrangulamento importante do tráfego. “A largura das pistas nas pontes é quase sempre insuficiente”, explica o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cesar Cavalcanti, especialista em transportes.

O tamanho da cidade é outro agravante. Segunda menor capital do país em área, Recife tem hoje uma frota superior a 500 mil veículos. Se considerada a região metropolitana, o número salta para 1 milhão. “A cidade está encharcada de carro”, relata o taxista Ademilson Freitas, há seis anos na profissão. Sua principal queixa mira as falhas na fiscalização do trânsito, especialmente no que se refere ao controle das cargas e descargas. Segundo Botler, a prefeitura já autorizou o aumento do efetivo da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU).

O projeto recifense também prevê a conclusão do Sistema Estrutural Integrado da região metropolitana, paralisado há décadas e que contempla a construção de duas vias radiais e uma perimetral, além da modernização das existentes. Outra ideia é a construção de edifícios-garagem no entorno dos corredores, com o objetivo de estimular as pessoas a estacionar os carros e utilizar o transporte coletivo para chegar ao centro da cidade, onde a circulação de automóveis é cada vez mais complicada.

Iniciado em 2009, o Plano Diretor de Transporte de Fortaleza também dá preferência ao transporte coletivo nas principais avenidas. De acordo com o presidente da Autarquia Municipal de Trânsito, Fernando Bezerra, a ideia é interligar os sete terminais de integração da capital cearense aos corredores de ônibus, que também serão mais acessíveis aos pedestres. As faixas exclusivas terão um sistema de semáforos centralizado, que dará preferência à circulação dos ônibus.

Um dos maiores problemas do trânsito de Fortaleza é a herança de um desenho urbanístico “labiríntico”, segundo explicou o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Antonio Paulo Cavalcante, mestre em Engenharia de Transportes. Ele sustenta que a estrutura viária atual está desarticulada com a ocupação da cidade. A má distribuição das vias pelo território da capital cearense também agrava o quadro. Segundo o especialista, cerca de 40% das viagens “casa-trabalho-casa”, seja de carro, ônibus ou moto, ocorre em apenas 7% das ruas de Fortaleza, o que acaba gerando enormes concentrações de veículos.

De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a frota brasileira cresceu 54% entre 2006 e 2010, atingindo no fim do ano passado a marca de 64,8 milhões de veículos, entre carros de passeio, motos, ônibus, caminhões e congêneres. No Nordeste, o salto foi de 80% no mesmo intervalo de comparação, sendo 79% na Bahia, 78% no Ceará e 69%, em Pernambuco. Como ocorre em todo o Brasil, o crescimento mais agudo se deu nos municípios do interior. Ainda assim, as três maiores capitais do Nordeste experimentaram uma alta entre 45% e 50% em suas frotas, com o agravante de que essas cidades recebem diariamente um grande fluxo de veículos vindos dos municípios da região metropolitana.

É esse o motivo, por exemplo, que faz da Avenida Paralela uma das vias mais problemáticas de Salvador. Principal ligação entre a capital baiana e cidades vizinhas como Lauro de Freitas e Camaçari, a avenida é um teste diário de paciência para os motoristas baianos. “Às vezes a gente leva uma hora e meia para andar menos de 15 quilômetros”, conta o taxista Hilton Lopes da Conceição. Trabalhando no táxi desde 1973, ele garante que o trânsito da cidade vive hoje o seu pior momento.

Com uma frota de 660 mil veículos, Salvador também sofre com suas peculiaridades geográficas. De acordo com a professora Ilse, o relevo montanhoso da cidade dificulta a construção de grandes vias, o que acaba gerando um crescimento desordenado. Como no Recife, a fiscalização é considerada precária: “A gestão do trânsito não dispõe de centro de controle, não há informações”, revela.

A Prefeitura de Salvador pretende enfrentar o problema com a instalação de 42 quilômetros de BRTs, além da expansão do metrô da cidade e da modernização do chamado “trem de subúrbio”. Coordenador de Projetos de Transporte da prefeitura, Francisco Ulisses Rocha lembra que o plano prevê ainda a abertura de mais 40 quilômetros de vias e a duplicação de outros 38 quilômetros.

A expectativa é que todas as obras estejam concluídas até a Copa do Mundo de futebol de 2014, a um custo total de R$ 3 bilhões. Assim como no Recife, uma boa parte dos recursos deverá vir do governo federal, por meio do braço para mobilidade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Fonte: Valor Econômico

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