Artigo ressalta conseqüências do funcionamento inadequado do transporte urbano

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São muitas as conseqüências negativas decorrentes do funcionamento inadequado dos sistemas de transporte urbano. Elas afetam não apenas os moradores da cidade, tratando-os de forma desfavorável, como também seu dinamismo econômico e o meio ambiente urbano. Neste particular, destacam-se, entre outras dificuldades, a perda de tempo decorrente dos congestionamentos, o desperdício de energia, a poluição atmosférica, o stress” e os acidentes de trânsito.

 

E porque estamos vivendo tal situação? São três as principais razões. A sociedade urbana ainda não percebeu a incompatibilidade entre o uso irrestrito do carro individual e a disponibilidade do espaço urbano requerido por este uso, cuja ampliação enfrenta obstáculos crescentes, na medida em que aumenta a necessidade das outras atividades urbanas, dentre as quais se destacam a moradia, o estudo, as funções produtivas, o lazer, etc.

 

Em segundo lugar, os usuários do transporte privado motorizado não são cobrados pelos custos gerados por suas decisões individuais quanto ao meio de transporte utilizado, custos estes que decorrem das deficiências anteriormente apontadas. Por essa razão, eles não sentem” o peso de sua escolha por uma modalidade que absorve, avidamente, todo o espaço viário que lhe é oferecido, provocando, em consequência, os congestionamentos de que tanto reclamam nossos concidadãos.

 

Por fim, há de se admitir que nenhum meio de transporte público consegue igualar a conveniência e o conforto proporcionados pelos meios de transporte privados. Assim, as pessoas raciocinam logicamente, ao escolher um meio de transporte que, além de oferecer condições inigualáveis de conveniência e conforto, aparenta ser bem mais barato do que realmente é, e que, de quebra, ainda garante a maior rapidez dos deslocamentos realizados nas cidades modernas!

 

Das constatações apresentadas, pode-se concluir que existe uma limitação, inerente às cidades, de absorver, de forma permanente, uma quantidade crescente de automóveis, cuja circulação, nos horários de pico, apresenta uma taxa de utilização inferior a 1,5 pessoas por veículo. Para enfrentar este desafio, precisamos aprimorar o transporte público coletivo, de forma a corrigir a demora das viagens por ele realizadas, a irregularidade no cumprimento dos horários, a superlotação e o calor dentro dos veículos.

 

Lamentavelmente, as tentativas de atendimento desses requisitos têm se mostrado, frequentemente, equivocadas, e consequentemente, infrutíferas. Os equívocos, caracterizados geralmente pela busca de soluções desnecessariamente sofisticadas e, frequentemente, superdimensionadas, podem ser atribuídos a vários fatores, dentre os quais poderíamos destacar: a autossuficiência dos governantes que buscam a paternidade vinculante das obras faraônicas, sem sopesar suas consequências imediatas e futuras; a avidez pecuniária dos escritórios de projetos e grandes empreiteiras, cuja remuneração está geralmente atrelada ao valor das obras a serem realizadas; a devoção cega de analistas governamentais e técnicos comprometidos, prioritária e emocionalmente com determinada tecnologia, impedindo-os de examinar, com total isenção, o leque das alternativas disponíveis para atender determinada demanda, e a insuficiência de dados e estudos que permitam aquilatar, com a precisão necessária, os reais níveis de demanda a serem atendidos e sua localização.

 

Se a prevalência de apenas um dos fatores acima elencados, já seria suficiente para prejudicar uma decisão coerente e adequada às condições econômicas, técnicas, ambientais e sociais vigentes, imagine-se o que não acontece quando vários deles se combinam para atender os anseios de cada um dos seus constituintes…

 

Do ponto de vista estritamente técnico e enfocando um número expressivo de cidades latino-americanas de médio porte, pode-se afirmar que uma das medidas mais eficazes para reverter tal situação é a implantação de corredores exclusivos para ônibus, nos principais eixos da cidade. Este tipo de intervenção constitui medida eficaz que responde, de maneira flexível, rápida e econômica, aos anseios da população em busca de uma melhoria significativa dos meios de transporte coletivo. Isto porque, independendo das irregularidades do tráfego geral, os ônibus poderão elevar a sua velocidade, encurtando os tempos de viagem e aumentando a oferta de veículos (como se sabe, uma frota de ônibus, rodando a uma velocidade comercial média de 30 km/h, oferecerá o dobro do serviço que esta mesma frota pode oferecer a 15 km/h), além de proporcionar uma maior regularidade na previsão das chegadas e saídas das viagens programadas. A climatização dos veículos, atributo importante em grande parte deste país tropical, fica a depender de uma política de subsídios aos usuários, que permita a melhoria do conforto das viagens, sem lhes sobrecarregar o bolso, a exemplo do que fazem os países do primeiro mundo.

 

Entretanto, o argumento mais importante na estratégia de implantação das idéias aqui colocadas é o convencimento da população, quantos às limitações e prejuízos causados à cidade, por uma sistemática de transporte que privilegia o desperdício, a poluição, as enfermidades e o rancor entre os cidadãos. Para tanto, três linhas de ação se impõem como prioritárias: a conscientização da sociedade que só se consegue por meio do amplo conhecimento daquilo que se está tratando, a cobrança dos custos associados ao uso extravagante do transporte individual e a imposição de restrições, devidamente qualificadas e justificadas, a este mesmo uso.

 

A conscientização, focada no esclarecimento dos custos e consequências de uma dependência exagerada do automóvel (que poderia ser sintetizada na palavra automania”), deve ser maciça, por todos os meios disponíveis e atingindo todos os níveis e classes da população, seja nas escolas, escritórios, lares, locais de lazer ou de grandes aglomerações.

 

A cobrança dos custos deveria concentrar-se no ressarcimento das externalidades negativas associadas ao uso do transporte individual, em especial a poluição ambiental, a perda de tempo nos congestionamentos e o desperdício de combustíveis, sem esquecer a responsabilização dos causadores dos acidentes de trânsito.

 

Finalmente, refletindo a incompatibilidade de um ambiente urbano medido à escala humana com as exigências do uso irrestrito do automóvel, devem ser impostas restrições que desestimulem esta prática, a exemplo do que vêm fazendo diversos países do primeiro Mundo, que já perceberam a necessidade de tal sinalização para que sejam conseguidos os resultados almejados. Os instrumentos disponíveis para este fim já são conhecidos e estão à espera de gestores suficientemente responsáveis que ousem aplica-los em prol do bem comum.

 

Quando isto ocorrer (e se acreditamos na contínua evolução do Homem, fatalmente ocorrerá), os gestores políticos passarão a perceber, de forma mais clara, os caminhos que a sociedade escolheu para movimentar-se no ambiente urbano, tornando suas decisões mais responsivas e sintonizadas com a máxima do bem maior à maioria. A partir deste momento, a cidade começará a se transformar num lugar mais equitativo e agradável de viver, economicamente pujante e ambientalmente sustentável.

 

Afinal, não é exatamente isto que todos desejamos?

 

Artigo de Cesar Cavalcanti – Coordenador Regional NE da ANTP

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