Placas de sinalização facilitam deslocamento nos terminais
31 de julho de 2010Idosos devem utilizar a porta dianteira
2 de agosto de 2010
Um dos benefícios que a Copa do Mundo de 2014 poderá trazer para as cidades sedes é a injeção de recursos adicionais no orçamento que permitam solucionar problemas que se arrastam há décadas. Um deles é o transporte público. Manaus, com 1,7 milhão de habitantes, terá R$ 1,5 bilhão para reestruturar sua rede de ônibus urbanos.
Até mesmo Curitiba, considerada a capital da qualidade de vida pela eficiência no quesito mobilidade, precisará investir R$ 400 milhões para se reorganizar. Ainda é cedo para dizer se as obras previstas estarão prontas até o início do Mundial no Brasil. Por enquanto, apenas duas das 47 previstas estão em andamento.
Nesta reportagem, a segunda de Época sobre infraestrutura para a Copa de 2014, chama a atenção o diagnóstico do Tribunal de Contas da União. Em relatório divulgado no mês passado, o TCU alertou: os trabalhos estão impressionantemente atrasados. Apenas um edital de licitação fora concluído até junho. Além do atraso, há outra preocupação. Até que ponto as obras são realmente justificáveis? Corredores de ônibus de quase meio bilhão de reais são uma prioridade para quem vive em Cuiabá? Acreditando que a resposta é sim, o governo federal se comprometeu a investir R$ 7,8 bilhões só em obras de mobilidade. Incluindo as verbas estaduais e municipais, o total chega a R$ 11,5 bilhões.
Serão implantados basicamente dois sistemas: o Bus Rapid Transit (sistema rápido de ônibus, ou BRT) e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Apenas São Paulo e Recife têm projetos de ampliar suas linhas de metrô. O VLT, ou metrô de superfície, é muito comum na Europa. O sistema permite transportar de 15 mil a 35 mil passageiros por hora e por sentido, a uma velocidade entre 20 quilômetros por hora e 30 quilômetros por hora. Na comparação com ônibus, o VLT reduz o tempo entre viagens em até 30%. Em termos financeiros, o VLT só é vantajoso se comparado à construção de uma linha de metrô. Estima-se que cada quilômetro de linhas VLT custe de R$ 62 milhões a R$ 79 milhões, enquanto no caso do metrô cada quilômetro custa entre R$ 176 milhões e R$ 264 milhões.
Curitiba foi pioneira no desenvolvimento e na implementação de BRTs, há mais de 40 anos. Hoje, cerca de 140 cidades no mundo usam o sistema, em que o veículo circula por faixas exclusivas e separadas do restante do tráfego. Os veículos são monitorados em tempo real por satélite. A bilhetagem é eletrônica e permite múltiplas viagens. O ônibus se desloca entre 20 quilômetros por hora e 35 quilômetros por hora. O tempo para percorrer um trajeto e o tempo de espera do passageiro nos pontos podem ser reduzidos em 40%, se comparados aos dos ônibus comuns. Um quilômetro de BRT custa de R$ 17,6 milhões a R$ 26,4 milhões.
Bem mais caro e exigindo um prazo muito maior para ser implantado, o metrô ainda é imbatível na capacidade de transportar pessoas. Ele leva até 80 mil passageiros por hora em cada sentido, mais que o dobro do BRT e do VLT. Concluir a construção de uma linha de 15 quilômetros de metrô, porém, não leva menos do que oito anos. O mesmo trecho fica pronto em três anos se a opção for BRT ou VLT.
Para a Copa de 2014, 11 cidades sedes escolheram construir corredores de ônibus rápidos. Apenas Brasília ficará só com o metrô de superfície. Fortaleza e Salvador terão ambos. O motivo da preferência não é só financeiro. O VLT e o metrô são pouco flexíveis, afirma o engenheiro Marcos Bicalho dos Santos, diretor da Associação Nacional das Empresas de transportes Urbanos (NTU). A flexibilidade é apontada como um dos fatores determinantes para o sucesso do BRT em Bogotá, na Colômbia. Lá, engenheiros brasileiros projetaram o Transmilênio, construído entre 2000 e 2003. Com a obra entregue, a cidade deixou de ser um caos no trânsito. Por seus corredores de ônibus passam 1,5 milhão dos 8 milhões de habitantes da cidade. O tempo de deslocamento caiu 32%.
O Transmilênio funciona bem como meio de transportes, mas dividiu Bogotá em duas, afirma Peter Alouche, engenheiro e consultor de transporte. Às vezes, um projeto mais caro pode recuperar uma área urbanisticamente degradada. Algumas cidades que pretendiam sediar a Copa e depois foram eliminadas levaram isso em consideração. Florianópolis elaborou um plano para construir 60 quilômetros de VLT, quase a extensão da rede de metrô de São Paulo. Eliminada da lista de sedes, manteve seu projeto, estimado em R$ 300 milhões. Já Campo Grande, também fora da lista, desistiu de construir um corredor de 12 quilômetros de VLT para criar um sistema com 32 quilômetros de corredores de ônibus, por R$ 150 milhões.
Ainda que os dois sistemas sejam equivalentes em eficiência, nenhum deles vai funcionar se não houver planejamento. É preciso pensar na mobilidade sustentável para que os projetos fiquem como legado para o futuro das cidades, afirma a arquiteta Valeska Peres Pinto, coordenadora técnica da Associação Nacional do transporte Público (ANTP). O conceito predileto dos especialistas é o de gerenciamento de mobilidade: estudar e conhecer a origem e o destino das pessoas, integrar diversos meios de transporte e usar de modo adequado o espaço urbano para incentivar a população a deixar o carro em casa – ou usá-lo menos.
Foi assim na Alemanha. Na Copa de 2006, a população foi encorajada a usar bicicletas, trem e metrô, integrados. As cidades brasileiras não fazem isso, não estão pensando nisso, porque estão preocupadas com projetos isolados, diz Ronaldo Balassiano, professor do programa de engenharia de transportes da Coppe, a pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não adianta construir BRT em cima da hora porque as pessoas demoram para incorporar isso à cultura da cidade.
Quando a Copa de 2010 começou, na África do Sul, uma das queixas dos torcedores era o caos na locomoção rumo aos estádios. Em Johannesburgo, os corredores exclusivos de BRT ficaram prontos às vésperas do Mundial e eram pouco usados pela população, acostumada aos serviços de vans. No jogo de abertura, percorrer um trajeto de 20 quilômetros que separava o bairro hoteleiro do estádio Soccer City poderia levar quase três horas. Nas semanas seguintes, o tempo caiu para 45 minutos. Com o atual andar das obras de mobilidade urbana para a Copa no Brasil, o risco dessa pane de mobilidade se repetir é grande. Isso fatalmente vai acontecer se continuarem fazendo as coisas do jeitinho brasileiro em um evento mundial.
Fonte: ÉPOCA | BRASIL