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“O Estado faz, às empresas de ônibus, um monte de exigências, regramentos de tutela na operação dos serviços, até imposição de investimentos em frota. No entanto, não cuida do essencial: garantir a saúde financeira das empresas. A relação do empresariado com o poder público é doentia, desigual e mal definida. O Estado tem gerido o transporte tratando-o com foco político”. O diagnóstico é de Paulo Roberto Cannizzaro.
Consultor de empresas com atuação no setor de transportes coletivos, ele é bacharel em Direito e em Contabilidade, titular da empresa de Auditoria Cannizzaro & Associados SC/ Ltda, sediada em Recife. Nesta entrevista, ele fala sobre a questão do transporte nas cidades brasileiras, comparando a realidade nacional a de Aracaju.
Como consultor também do setor de transporte, há mais de 20 anos, em várias cidades do país, como o senhor enxerga a atividade no Brasil e, em especial, em Aracaju?
Testemunho, em várias cidades brasileiras, salvo exceções, uma deteriorização do setor e das permissionárias de transportes, urbanas, intermunicipais e rodoviárias. A relação do empresariado com o poder público é doentia, desigual e mal definida. O Estado tem gerido o transporte tratando-o com foco político, quando ela é matéria técnica. A lei de permissões e concessões, após a Constituição de 1988, maltratou mais as permissionárias. A permissão está localizada em lugar desfavorável juridicamente. Diz respeito aos contratos de adesão, como se fosse uma relação por conta e risco das empresas, na prática, abandonadas de seguranças indispensáveis. O Estado não tem cerimônia em controlá-las com normas rígidas. Cobra-se tudo delas, um monte de exigências, regramentos de tutela na operação dos serviços, até imposição de investimentos em frota. No entanto, não cuida do essencial: garantir a saúde financeira das empresas.
Então, neste sentido, o senhor está dizendo que é responsabilidade do Estado cuidar da saúde das empresas?
Esta é a questão essencial. Há um entendimento, até juridicamente pacificado, que o Estado, na permissão de serviços públicos, deva cuidar sim do equilíbrio financeiro desses contratos. Há noções idênticas às concessões públicas, com igual essência de longevidade, relação continuada, duradoura e de serviço regular. Em contrapartida, é intolerável que haja permissionárias com mais de 30, 40 anos, agindo como se esses contratos fossem precários, provisórios, ficando, o serviço, a mercê da própria sorte, atividade por conta e risco das empresas. Permissionárias de serviço público nada mais são que concessionárias e, como tal, deveriam ser asseguradas a elas garantias suficientes e exigíveis de toda ordem, financeira, operacional e mesmo jurídica, para que pudessem prestar serviço de boa qualidade e fossem capazes de bem atender às necessidades da comunidade.
Afinal, em que consiste o equilíbrio econômico financeiro na relação do poder público com as empresas de ônibus?
Não é só importante ter-se tarifas módicas, baratas, passagem de ônibus acessível ao bolso do usuário. A tarifa precisa ter junto a modacidade, o conceito constitucional de ser justa, capaz de remunerar a operação. O desafio é harmonizar a capacidade da população pagá-la com a garantia da retribuição justa. Governos locais querem fazer política social, mas com o dinheiro alheio, e quem paga a conta é o empresariado local. Não deve ser diferente em Aracaju. A tarifa não pode ser moeda política, usada para atender reclames públicos. Precisa comportar noções de custos da operação, lucro na atividade. Sem isso, não se alimenta saúde do sistema. Não adianta tarifa baixa se as empresas não pagarem impostos da atividade, ou criar-se instituições doentes e operando mal. Não é política de crescimento social, o município fazer da tarifa balcão social, sem cuidar da remuneração adequada e da eficiência dos bons serviços. Tarifa sem o contorno do preço justo é impor ao social um outro custo mais caro, a contraprestação também injusta, serviço ruim, longe das expectativas dos usuários.
Sempre houve impressão que as empresas de transportes eram autênticas minas de ouro, uma atividade bem remunerada. Isto é verdade?
Absurda falácia, visão de quem não conhece a atividade. Foi-se o tempo que o transporte era remunerado a atender as necessidades de investimentos. Novos atores perversos deterioraram os transportes públicos. Empresas líquidas, financeiramente, são raras hoje. Não é mais a regra. A maioria enfrenta dificuldades estruturais. A concorrência predatória dos clandestinos, por exemplo, são verdadeiros ?morcegos? chupando o sangue das empresas, minando 20%, ou mais, do setor formal. Transportes concorrentes minam o sistema em deslavada concorrência desleal e sem pagar impostos. O cumprimento de linhas sociais imputadas às empresas, a inibição de tarifas justas e os custos descasados com a remuneração fazem disso um caldo grosso de problemas. Em certos períodos, o combustível sobe 3, 4, 5 vezes. Já a empresa recebe, quando recebe, recomposição de seus preços um ano depois, já cheias de dívidas e de impostos atrasados. Como sustentar isso?
Então, a tarifa não reflete adequadamente as necessidades de caixa das
empresas?
A tarifa é só uma face da questão. Majorá-la não é a solução, mas também não foi feita para atender a pedidos sociais. Ela deve ser fruto de uma equação técnica, comportando a absorção da capacidade de operar bem o serviço. Não adianta pendurar o sistema com linhas superpostas nem alimentar ineficiências, promover a concorrência e a autofagia entre as empresas. Frotas de ônibus rodando vazias e sem ocupação, estudantes que nem sempre são estudantes enxurrando o sistema, e gratuidades excessivas são fatores que, juntos, produzem falta de resultado financeiro no sistema, aumentando, de forma perdulária, o próprio custo operacional e sugando o plasma financeiro das empresas.
O Estado tem sido débil no combate ao transporte clandestino concorrente?
O Estado é fraco nessa questão. Em algumas cidades, este combate foi sistemático, objetivo e estruturado. Recife foi um exemplo de intervenção dura. Colocaram uma verdadeira barreira de cinturão nos portais de entrada da cidade. Assim, as kombis foram banidas, não rodam mais no perímetro urbano. Isto irrigou a saúde das empresas. É preciso coragem para fazer isto, banir essa concorrência, cheia de riscos, sem nenhum compromisso com a qualidade, noções de segurança, conforto ao passageiro e validade jurídica. Devia ser meta dos governos, serem autênticos protetores das empresas e das atividades legais.
É obrigação legal do Estado tutelar e fiscalizar isso, cuidando, pois, dos interesses das empresas?
O Estado brasileiro, recentemente, tem sido de uma eficiência singular em suas atuações, um grande cobrador. Com recordes repetidos de receitas, aprimorou-se em fiscalizar, arrecadar, autuar muito o empresário, mas precisa assumir outras de suas obrigações legais, cuidar também da atividade empresarial. Empresas de ônibus estão arraigadas no social. São fundamentais atores, cuidam da vida de milhões de pessoas. Assim, é responsabilidade do Estado cuidar delas também. Normalmente, o tratamento dado pelo Estado tem sido de clara aspereza, até de mal tratamento, como se os empresários do setor tivessem baixa responsabilidade social. Poucos setores empregam tanto. É atividade de intensa utilização de mão-de-obra direta e com uma aplicação laborativa indireta importante. O Estado tem que cuidar disso como prioridade social, porque, de fato, estão ligadas às necessidades básicas e essenciais de uma sociedade, amparando-as de seguranças operacionais, financeiras e até legais.
O senhor não credita a dificuldade do setor também má gestão do próprio empresariado?
Na maioria dos casos, seguramente, isso não é verdade. Há um fato relevante nessa questão de gestão que não é diferente em Aracaju. Algumas delas têm 40, 50 anos de vida. Esse empresariado tem mesmo é coragem… Levante-se a história dos empresários aqui em Aracaju, por exemplo, é gente que mexe com transportes há várias décadas, tem uma folha de serviço prestado à cidade. Empregam, permanentemente, sem muitos benefícios de garantias para a atividade, submetidos a uma legislação perversa, carga tributária absurda, sobretudo trabalhista. Estão aí porque têm transporte no sangue. Na sua maioria, esse empresariado é dedicado, é gente séria e do bem que conhece a atividade e tem sido, ao contrário, eficiente na gestão, com altíssimos padrões de criatividade para conviver com dificuldades do setor. O Estado descontinuado, burocrático, raramente enxerga isto.
O senhor acabou de referir-se à carga tributária alta. Nesse setor não há nenhuma imunidade?
Falar em reforma tributária, hoje, e ver a incapacidade do Estado em adotar regime tributário mais justo, irrita. Ficamos atrasados em relação ao mundo. A nação tributa excessivamente a atividade produtiva e este setor não foge a regra, sobretudo com os encargos sociais sobre folha de pagamento, imposição sobre a grande mão-de-obra aplicada na operação. Rentabilizar bem a atividade desonerando-a de imputação tributária seria um caminho, desde a aquisição dos insumos de custos, na folha de pagamento, ou mesmo na carga tributária mais beneficiada para o setor. Baniu-se a tendência de alíquotas diferenciadas por atividades da economia, como tivemos no setor de transporte, no caso do IR. Um setor tão essencial, no entanto, deveria ser beneficiado por uma tributação diferenciada. Mais liberto de custos tributários, o Estado estaria, efetivamente, produzindo tarifas justas e bem estar social, assumindo seu papel de bancar parte desta conta e sem empurrar a fatura para a economia privada.
Afinal, por onde passa a solução dos problemas dos transportes coletivos?
Políticas estáveis, continuadas, que relevem o papel do consumidor, mas que respeite o direito das empresas. Não só impor obrigações, mas cuidar dos direitos e garantias na exploração atividade. Transporte público pressupõe respeito a esse equilíbrio econômico financeiro para execução dos serviços. Sem estabilidade do serviço e de políticas continuadas em transporte isso não se resolve. Sob legislações mutáveis demais, voláteis, modificadas de governo a governo, alguns que mal sabem o que representa um ônibus, não vamos avançar. Na Europa, testemunhei que gestores públicos da área de transportes são técnicos de carreiras e, ao acabarem seu ciclo de gestão, são transferidos para Conselhos de Administração das próprias empresas públicas, mantendo os fundamentos estruturais dos transportes públicos sempre estáveis. Uma nova orientação de governo faz melhorar a eficácia, a eficiência, a efetividade do sistema. Esta continuidade e integridade dos princípios tornam previsíveis os investimentos, os resultados e a sustentação do setor.
Finalmente, como o senhor entende que o empresariado deveria induzir este processo de mudanças estruturais?
Dentro de padrões de linguagem técnica. O empresariado deve ser incisivo na nitidez das dificuldades do setor. A relação do empresariado com o Estado não pode ser só com relação à tarifa, nisso só se consegue resultados episódicos. O Estado deve enxergar mais as debilidades financeiras do setor, compreender a complexidade da atividade, inclusive, a atual limitação de capacidade contributiva de recolher tributos. Muitas estão atoladas em dívidas, sem capacidade de investimento. Esse painel precisa ser publicamente discutido com a sociedade. Programas de refinanciamento das dividas tributárias, tais como PAEX, mostram-se, inclusive, insuficientes para enfrentar o passivo. Nesse aspecto, deveria haver aplicação até de prazos mais elásticos, como os permitidos, recentemente, aos clubes de futebol. Até mesmo as demonstrações contábeis do setor precisam refletir mais corretamente a realidade do setor, traduzindo as intervenções necessárias de mudanças. O empresariado tem cerimônias, medo do diálogo com o poder público, mas o Estado não é Deus. Eles não podem tudo. Representam só a sociedade, e ela mesma não está satisfeita com a gestão dos transportes públicos. Unificar iniciativas, agregar o tom do discurso e exercer mais prerrogativas e direitos legítimos, me parece improrrogável, além de cumprir obrigações. Um choque de iniciativas para exigir uma política de transportes sustentada e continuada é preciso. Não há espaço de esforços descontinuados e isolados.