Brasil pode ter transporte público de melhor qualidade se tiver investimento certo

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29/08/2017 | Gera

 

 

No atual cenário econômico do país parece impossível atender à demanda da sociedade por um transporte coletivo urbano de melhor qualidade e tarifas acessíveis. Mesmo assim, existe luz no fim do túnel, segundo gestores públicos e especialistas no assunto. O consenso entre eles aponta na direção de políticas públicas integradas, de planejamento eficiente, de qualificação e racionalização dos sistemas de coletivos urbanos e da criação de fonte perene para financiar os custos desse sistema.

O tema, que será alvo de debate qualificado em São Paulo (29 a 31/8), no Seminário Nacional NTU 2017 & Transpúblico, desafia poder público, empresários do setor e estudiosos do assunto a encontrar soluções para atender ao anseio social por um sistema de deslocamento urbano eficiente, estruturado e com tarifas acessíveis.

O desenvolvimento e a melhoria do serviço de transporte público urbano no País caminham a passos lentos, por diversos fatores. Para o engenheiro civil, Gabriel Feriancic, a situação é decorrente de um problema histórico, estrutural de investimentos públicos que foram destinados prioritariamente ao uso do automóvel. “Todos os projetos de infraestrutura realizados nas últimas décadas tinham foco no trânsito de automóveis e não no investimento em transporte coletivo. O que vemos hoje é a somatória de erros históricos”, afirma.

Mestre em Engenharia de Sistemas Logísticos e doutor em Engenharia de Transportes, Feriancic avalia que o Brasil de hoje tem o transporte compatível com o que foi feito nessa área. “Não se investiu em transporte coletivo, não se destinaram recursos a esse setor para manter a tarifa mais baixa. Quando estávamos vivendo bons momentos econômicos os investimentos foram destinados a outras questões”, lamenta.

Mesmo reconhecendo erros na gestão pública desse processo de melhoria do transporte público urbano, Feriancic reconhece alguns acertos. “Já houve avanço com a desoneração de tributos do setor. Essa política precisa ter continuidade, porque as prefeituras não têm recursos próprios para subsidiar a tarifa”, avalia, mas não acredita em avanços em curto prazo, capazes de atender à demanda social por melhor transporte e passagens módicas. “No curto espaço não vejo como fazer isso, porque os orçamentos todos estão deficitários”, justifica.

Com o olhar do gestor público, o prefeito de São José dos Campos (SP), Felício Ramuth, formado em Administração e pós-graduado em gestão pública, já tem soluções à vista, para equacionar tantas dificuldades na área de mobilidade urbana e atender à demanda social. “É preciso democratizar os espaços das cidades, ampliando a mobilidade e descentralizando os investimentos em infraestrutura, que atualmente se encontram presentes, majoritariamente, nas áreas nobres e centrais das grandes metrópoles”.

Ramuth, que também é vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), já definiu instrumento para responder às reivindicações de usuários do transporte, no seu município. “Atualmente, a demanda é atendida com estudos, principalmente sobre o número de passageiros por regiões dos municípios, a fim de melhorar continuamente o atendimento aos usuários do transporte público”, informa. Diminuir o tempo de espera nas viagens e investir em estudos para aumentar a confiança e credibilidade do passageiro nesses deslocamentos é outra solução apontada por Ramuth para oferecer serviço de qualidade.

DESAFIOS

Em 37 anos o transporte público coletivo sofreu drástica redução de representatividade na matriz de deslocamento nas áreas metropolitanas do Brasil. Caiu de 67% para 28,4%, de 1977 a 2014. Significa dizer que o transporte individual vem ocupando mais espaço nas vias, perdendo apenas para deslocamentos não motorizados. Equilibrar essa matriz no atual cenário de crise econômico-financeira do Brasil torna-se tarefa ainda mais desafiadora.

Para o setor de transporte coletivo urbano os desafios são ainda maiores, como sobreviver ao endividamento e à falta de investimentos do poder público para a execução dos projetos de mobilidade urbana pelo país; à dificuldade de manter uma relação contratual com respeito aos termos pactuados; à falta de projetos de mobilidade urbana consistentes e merecedores de recursos públicos; à falta de gestão e planejamento para atender às solicitações recorrentes em diferentes cidades do país, e ao maior de todos os desafios: oferecer serviço de qualidade com tarifas acessíveis.

Equilibrar essa matriz e reorganizar os principais eixos da mobilidade urbana para que o transporte coletivo urbano assuma seu lugar de destaque não é tarefa fácil, mas Nazareno Affonso, coordenador do Instituto MDT (Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos), revela que a primeira medida para qualificar esse sistema é tirar o ônibus do congestionamento. “À medida que eles circulem fora dos engarrafamentos você vai ter redução dos custos, do tempo de viagem”, defende Nazareno, que é arquiteto e urbanista.

Outro desafio a superar, com o propósito de requalificar o sistema de transporte coletivo urbano, é ter fontes de recursos para a sustentabilidade cotidiana, alerta o coordenador do Instituto MDT. “Hoje é o usuário quem paga. Que isso venha de outras fontes. Nós, do MDT, defendemos uma política de inclusão social, e não de universalização. Ao contrário. Entendemos que deve haver política voltada primeiro aos que não têm condições de acessar o sistema de transporte”, reforça e apoia a política de estacionamento que gere fontes extratarifárias para compor as formas de financiamento do transporte.

“Vamos precisar de um poder público melhor preparado para projetar, capacitar e implantar”, frisa Nazareno e destaca a necessidade de se investir em gestão e ter recursos permanentes que possam ser acessados de forma diferenciada por cada ente. O Sistema Único de Mobilidade (SUM), menina dos olhos do Instituto, é o modelo ideal para por fim aos gargalos do atual sistema, mas ainda está distante da realidade brasileira. “O SUM é o Estado se manifestando. É todo um processo de mudança do papel do Estado sobre a mobilidade”, esclarece.

XADREZ

Nos últimos 20 anos nenhum projeto ou medida voltada à melhoria do transporte público no Brasil trouxe tanto alento e esperança quanto a criação da Lei de Mobilidade Urbana (12.587/2012). Estudiosos do tema, gestores públicos e empresários do setor reconhecem nela o instrumento legítimo de mudança, que contempla direitos, deveres e determina as condições necessárias para organizar as peças do tabuleiro de xadrez da mobilidade urbana. “Sem dúvida, foi um avanço, um marco histórico”, reconhece Otávio Cunha, presidente da NTU.

É na Lei da Mobilidade que o empresário de transporte urbano de Goiânia (ônibus/Itapar), Edmundo de Carvalho Pinheiro, encontra argumentos consistentes para indicar soluções ao grande dilema do setor de coletivo urbano: elevar a qualidade do serviço e baixar o preço das passagens. “É simples: cumpre-se a Lei”, resume.

Edmundo refere-se ao artigo 8º da Lei de Mobilidade Urbana, segundo o qual, a  modicidade tarifária e a qualidade do serviço são diretrizes para o transporte público coletivo. “Já o artigo 9º equaciona tal situação ao criar a figura da diferenciação entre a tarifa de remuneração do concessionário do serviço e a tarifa pública paga pelo usuário, sendo que a diferença entre elas é arcada pelo ente público”, explica e complementa a informação com o artigo 23º. “Ajuda a solucionar a equação quando apresenta a opção de tributar os modos individuais e utilizar a receita para financiar o transporte público urbano e a criação dos corredores, favorecendo o subsídio cruzado entre o transporte individual e o transporte público, e a criação das tarifas de remuneração e a do usuário (pública)”, esclarece.

O modelo ideal de transporte urbano no Brasil também passa pela Lei da Mobilidade, na visão do empresário. “Seria basicamente o que já está definido em Lei:maior comprometimento dos entes públicos, planejamento urbano integrado, políticas restritivas ao uso dos modos individuais, financiamento público do custeio e investimentos no serviço, com usuário pagando uma tarifa social para utilizar o transporte”, detalha.

QUEM PAGA

A fatura do transporte público urbano é sempre uma variável polêmica na equação que não favorece o usuário do serviço. É ele quem paga sozinho a conta da ausência do Estado, da baixa qualidade do serviço e da falta de uma fonte permanente de financiamento que alivie o peso das tarifas. Enquanto isso não acontece resta ao passageiro arcar com todos os custos da operação.

No Brasil de hoje essa conta não fecha, mas pode ser bem repartida entre todos os atores envolvidos na questão: poder público, empresários e a sociedade. Parte mais sensível do quebra-cabeça, a divisão do ônus do custo do serviço, diminuindo a participação do usuário do transporte, pode estar mais próxima de se concretizar do que se imagina. Especialmente, se depender da aprovação de projetos como Cide Municipal, que tramita no Congresso Nacional.

A Cide, projeto defendido pela Frente Nacional de Prefeitos e por especialistas no tema transporte público urbano representaria uma arrecadação anual de R$ 11,9 bilhões, com capacidade para subsidiar até 29,1% dos custos do sistema. Nazareno Affonso defende fontes de financiamento extratarifárias, vindas de proprietários de automóveis, como a proposta da Cide Municipal. O Instituto MDT ainda apoia a política de estacionamento, com arrecadação voltada para compor fontes de financiamento do transporte público.

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