Mobilidade urbana também é justiça social

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Outro dia, um amigo comentou não entender como muitas pessoas preferem comprometer parte de seus rendimentos comprando um carro para utilizá-lo no ir e vir do trabalho numa cidade como São Paulo, onde os congestionamentos são cada vez maiores.

O contra-senso é que, ao usar o veículo próprio, essas pessoas arcam com outras despesas como IPVA, gasolina, seguro e estacionamento, por exemplo, que, junto com a mensalidade do automóvel, impactam significativamente no orçamento mensal, quando poderiam optar pelo transporte público.

Como pode ser isso, ele questionava, e eu tentava explicar que, além do status e do conforto que um carro pode proporcionar, toda pessoa define inconscientemente um valor para o seu tempo. Esse conceito tão etéreo não entrava na cabeça dele.

Imaginemos que, para usar o ônibus ou o metrô, um trabalhador tenha de acordar pelo menos uma hora e meia mais cedo e, em contrapartida, chegar em casa uma hora e meia mais tarde. São três horas que podem significar menos tempo para o café da manhã com a família, mesmo que corrido, ou para preparar o filho para a escola.

A verdade é que toda pessoa define inconscientemente um valor para seu tempo. No caso deste exemplo, despender mais horas para cuidar da educação do filho não se mensura. Por isso, vale mais à pena pagar a diferença entre o transporte privado e o público.

A questão acima representa uma situação real para milhões de brasileiros que vivem em cidades com alto índice de trânsito, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. No mundo, outras metrópoles enfrentam e tentam resolver o problema; algumas com sucesso, a maioria com pouco ou nenhum resultado. Bogotá e São Paulo adotaram um sistema de rodízio. Los Angeles definiu vias exclusivas para veículos com mais de um passageiro. Roma, Lisboa e Buenos Aires optaram pelo bloqueio total para carros particulares dentro de uma área determinada.

As cidades que obtiveram maior sucesso foram aquelas que não optaram por um modelo de restrição, mas de valorização do transporte público. Ou seja, o valor relativo entre o transporte privado e o público passa a pender para este último. Nesse sentido, o custo de se utilizar trens, ônibus e metrô seria menor que o custo do tempo. Assim, as pessoas podem optar pelo transporte público ao invés de arcar com as despesas decorrentes do uso diário do seu próprio veículo.

No caso de Estocolmo, na Suécia, o que se fez foi definir um valor para que os veículos possam entrar numa determinada área da cidade. Esse valor varia de acordo com o nível de trânsito; assim, no horário de maior movimento os proprietários de veículos têm de pagar caro para circular; mas, nos fins de semana, quando o trânsito é muito menor na área, não existe cobrança. O sistema utiliza tanto a identificação por tag, como por número de placa automático, por imagem de vídeo.

Como experiência, as autoridades decidiram implantar a cobrança por um ano. Após este período, em referendo, a proposta foi aprovada pela maioria dos usuários. Os recursos arrecadados são destinados não somente para pagar os custos de investimento e operação do projeto; mas, mais importante, para melhorar o transporte público. Os resultados foram uma diminuição dos tempos de viagem em cerca de 30% e uma redução na emissão dos gases poluentes em quase 20%.

Temos aí outro conceito, que muitas vezes passa despercebido à maioria das pessoas: o custo social gerado pelo trânsito. Sistemas que não são apenas restritivos – mas que têm impacto positivo no transporte coletivo – são também mais justos socialmente. Esses sistemas (podemos chamar de taxa de tráfego, pois taxam justamente os geradores do trânsito) possibilitam que os trabalhadores de menor renda, que necessitam utilizar o transporte público, gastem menos tempo para ir e vir entre sua casa e seu local de trabalho e contribuem para uma melhor qualidade de vida e distribuição de renda, na medida em que aqueles que escolheram ir e vir com seu próprio veículo subsidiam as pessoas que optaram pelo transporte público.

É o caso de Londres. Com ferrovias e metrôs antiquados, decorrentes da falta de investimentos públicos durante décadas, a adoção da taxa de tráfego, em meio a incertezas sobre sua eficácia, trouxe resultados extremamente positivos. Em fevereiro de 2003, foram instaladas 900 câmeras de vídeo, distribuídas em 230 pontos, e veículos de patrulhamento.

Quem entra com carro no centro da metrópole, nos dias úteis, das 7h às 18h, paga uma taxa, cobrada eletronicamente. De 2003 a 2005, o governo pôde investir 1,6 bilhão de libras, resultado da implementação do sistema, no transporte público. A medida reduziu o nível de tráfego em 20% e beneficiou o meio ambiente. O número de bicicletas em circulação subiu e o tempo médio das viagens de ônibus caiu.

No Brasil, é certo que faltam recursos para melhorar o transporte público. E qual seria a melhor saída a ser adotada pelo poder público: investir em novas estruturas de transporte ou buscar o aumento da eficiência da capacidade existente? A resposta não é nada simples.

Várias medidas precisam ser tomadas concomitantemente. Assim como o investimento na infraestrutura, a utilização de novas tecnologias na gestão do trânsito, como a taxa de congestionamento, é uma das soluções que tem se mostrado eficaz e bem aceita, quando a sociedade percebe seus benefícios.

Fonte: Valor Econômico-SP | Opinião

* Artigo de Eduardo Coutinho, diretor da Câmara de Comércio Brasil-Noruega e do Intelligent Transport Systems (ITS Brasil).

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